PGR critica suspensão de ações sobre TR em FGTS

POR PEDRO CANÁRIO
Em parecer enviado ao Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial que discute o uso
da Taxa Referencial (TR) para correção do FGTS, o subprocurador-geral da República
Wagner de Castro Mathias Neto criticou a decisão do relator do caso, ministro Benedito
de Gonçalves, de sobrestar as ações que tratam do assunto nas instâncias ordinárias.
Para o representante da Procuradoria-Geral da República no STJ, a medida adotada pelo
ministro “tem, na realidade, resultado procrastinatório”.
O REsp em questão discute se a TR pode ser usada para corrigir o rendimento do saldo do
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. A discussão acontece porque a TR, por
definição, tem uma variação abaixo da inflação. Ela foi criada justamente para evitar que
a taxa de juros mensal refletisse a inflação do mês anterior, e por isso sua base de
cálculo é uma média dos certificados de depósito bancário (CDB) e os recibos de depósito
bancário (RDB) dos 30 maiores bancos do país. Não leva em conta, portanto, a alta de
preços dos bens de consumo.
A decisão de suspender o andamento dos casos em trâmite nas instâncias locais foi
tomada pelo ministro relator no dia 26 de fevereiro, ao afetar o caso sob o rito dos
recursos repetitivos. Ele atendeu a pedido da Caixa Econômica Federal, banco gestor do
FGTS, que alegou existirem, à época, 70 mil ações discutindo a matéria em trâmite na
Justiça Federal. O ministro Benedito Gonçalves concordou com o argumento de que a
falta de definição da questão pelo STJ diante da quantidade de ações em andamento
pode trazer insegurança jurídica para o país.
Gonçalves afirma em seu despacho que “o fim almejado pela novel sistemática processual
[recursos repetitivos] não se circunscreve à desobstrução dos tribunais superiores, mas
direciona-se também à garantia de uma prestação jurisdicional homogênea aos processos
que versem sobre o mesmo tema, bem como a evitar a desnecessária e dispendiosa
movimentação do aparelho judiciário”.
No entanto, para o subprocurador Wagner Mathias, no parecer enviado ao STJ no dia 28
de março na condição de fiscal da lei, o ministro interpretou a Lei dos Recursos
Repetitivos de forma mais ampla do que deveria. “A decisão, ultrapassando as fronteiras
autorizadas pelo ordenamento, acaba por lesionar a independência do juiz e sua livre
convicção, que não deve sucumbir a pressões externas, inclusive de outros Poderes ou
do próprio Judiciário, sob pena de se desconstruir a noção de Estado Democrático de
Direito, induzindo nefastas consequências, apesar de ser invocada, na espécie, a
pretexto de segurança jurídica.”
O subprocurador só parece não lamentar tanto o despacho ao constatar que os
juízes não estão obrigados a seguir o que ficar decidido pelo STJ. Ele afirma que apenas
as decisões do Supremo Tribunal Federal tomadas em controle concentrado de
constitucionalidade é que são, por lei, vinculantes. De resto, decisões judiciais, mesmo
dos tribunais superiores, não vinculam as demais instâncias. Por isso é que o resultado da
suspensão dos processos será procrastinatório, no entendimento do subprocurador.
No mérito, pela concessão Wagner Mathias dá razão ao argumento de que o FGTS não pode ser corrigido pela TR.
Ele discorda do pedido constante de muitas das iniciais em trâmite na primeira instância, segundo o qual a TR foi considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal para  corrigir precatórios e, portanto não poderia ser usada para corrigir o saldo do FGTS. O subprocurador busca outro entendimento do Supremo.

Ele afirma que, na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.930, o STF afirmou que a TR
“não é índice de correção monetária, pois, refletindo as variações do custo primário da
captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder
aquisitivo da moeda”. Ou seja, a taxa não é um mecanismo financeiro eficiente para
compensar o trabalhador pela inflação e, no caso do FGTS, acaba fazendo com que o
fundo renda menos que a alta de preços, acarretando em perda de dinheiro.
Mathias reconhece que o uso da TR para correção do FGTS faz parte de um complexo
sistema que envolve, entre outros aspectos, o financiamento de contratos habitacionais
e a correção de débitos tributários. É o argumento levado ao STJ pela Caixa, segundo o
qual a indexação de certos rendimentos pela TR faz parte de um sistema definido em leis
que já vigoram há mais de 20 anos.
Risco sistêmico
O subprocurador, no entanto, faz outra análise. Ele afirma que, se a TR nasceu ainda na
época dos planos econômicos para indexar a economia e tentar conter a hiperinflação que
acometia o Brasil nos anos 1990, hoje ela é fruto de “complexas e sucessivas fórmulas
estabelecidas pelo órgão regulador, sob o influxo de variados fatores econômicos, que
não têm qualquer relação com o valor de troca da moeda, mas, apenas, com o custo de
sua captação”.
É que a TR foi criada como um índice artificial para ser aplicado às cadernetas de
poupança e outros contratos para garantir que a taxa de juros do mês corrente não
refleta a inflação do mês anterior. Mas hoje ela faz parte de um sistema que envolve a
correção das cadernetas de poupança, os juros do Sistema Financeiro de Habitação e
contratos de seguro, por exemplo.
Por isso, Wagner Mathias considera que a Lei do FGTS, quando passou a adotar a TR
como índice de correção, “acabou por artificializar o conceito de atualização monetária”.
Ele argumenta que a lei garante o direito subjetivo à correção de valores e que “é
evidente que o reajuste deve corresponder ao preciso índice de desvalorização da
moeda”. Medida a inflação num intervalo de tempo, a correção monetária deve
corresponder a uma equiparação do valor da moeda, afirma. E portanto o saldo do FGTS
deve ser corrigido de forma a não trazer perdas ao trabalhador.
Um importante argumento da Caixa é que uma mudança nessa forma de correção
acarretaria num risco sistêmico incalculável, já que há toda uma infraestrutura
macroeconômica encadeada na TR. Mas, para o subprocurador-geral da República, esse
“risco para a estrutura financeira e a econoomia do país é oriundo da própria atuação ineficiente da máquina administrativa”.

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